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O Ponto Imóvel do Mundo em Giro: A Eternidade nos “Four Quartets” de T. S. Eliot

  • 18 de jul.
  • 4 min de leitura

Na obra magna de T. S. Eliot, Four Quartets, o tempo se curva, o instante se dilata e o silêncio se converte em uma linguagem mais antiga que as palavras. É uma música para a alma errante da modernidade, uma partitura metafísica na qual os movimentos da existência humana são orquestrados não pelo ruído da história, mas pelo Logos, pela Palavra eterna que se esconde no âmago do transitório. Nessa poesia, o poeta se faz monge, e o poema, liturgia; a linguagem se inclina diante do Mistério, e cada verso se despe do secular para tocar, em reverência, o inefável.


Cada um dos quatro quartetos — Burnt Norton, East Coker, The Dry Salvages e Little Gidding — corresponde a um ponto cardeal e a uma estação da alma. Não são apenas lugares físicos, mas estados do espírito, geografias simbólicas em que o tempo cronológico se encontra com a eternidade. Eliot, leitor profundo de Dante, Pascal, Heráclito, San Juan de la Cruz e dos evangelhos, compõe aqui não uma sequência de poemas, mas uma arquitetura mística, uma catedral verbal onde o tempo é decantado até se tornar oração. A epígrafe retirada dos Fragmentos Heraclíticos — “o caminho para cima e o caminho para baixo são um e o mesmo” — já anuncia a tessitura paradoxal da obra, onde passado e futuro são apenas modos de um presente que tudo abarca, que tudo redime, desde que se esteja atento ao “ponto imóvel do mundo em giro”.


O tempo, para Eliot, não é apenas fluxo, mas também fixidez. O instante fugidio, quando olhado com olhos espirituais, torna-se eterno. “At the still point of the turning world, there the dance is”, escreve ele — uma imagem que é, simultaneamente, cósmica e cristã: o mundo gira como a dança dos serafins em torno do trono divino, mas no centro há um ponto que não se move, uma presença que tudo sustenta sem ser movida: o Logos, Cristo, aquele que é o mesmo ontem, hoje e para sempre. A poesia aqui se converte em um movimento hesicástico: o recolhimento da mente, a escuta da Palavra no silêncio interior, a purificação do tempo por meio da eternidade.


Essa busca pelo silêncio não é fuga, mas penetração. Eliot não escreve como quem deseja evadir-se do mundo moderno, mas como quem o enxerga até o fundo — até onde ele se abre, por fratura ou graça, à transcendência. O ruído das guerras, o entulho da civilização industrial, o desespero do homem fragmentado — tudo isso perpassa os quartetos. Mas há, em meio à poeira, uma busca por sentido que não se sacia na imanência. O tempo não basta a si mesmo, e a história, sem revelação, é apenas repetição sem redenção. “History is now and England”, afirma ele, mas apenas para mostrar que esse “agora” histórico só encontra sentido se iluminado pela presença divina que se insinua no tempo como o raio de sol entre galhos secos.


Em Burnt Norton, o poeta visita um jardim do passado e encontra ali a promessa do eterno. O que “poderia ter sido” não é mero devaneio nostálgico, mas uma sombra do “que é”, pois tudo que não foi, e tudo que será, repousa potencialmente no instante presente — se este for acolhido com olhos desvelados. Em East Coker, o retorno à terra ancestral revela a sabedoria da humildade: “In my beginning is my end”, escreve ele, em clara alusão tanto ao Eclesiastes quanto ao ciclo pascal. A queda é o princípio do aprendizado, e a escuridão, o útero da luz. O verdadeiro saber é o de quem desce aos abismos — interiores e históricos — e ali ouve, não um oráculo, mas um sussurro: “The darkness shall be the light, and the stillness the dancing.”


Em The Dry Salvages, o mar torna-se imagem do tempo vasto e da precariedade humana. O rio e o oceano não são apenas elementos naturais, mas metáforas da travessia existencial. A vida é uma jornada por águas instáveis, mas há uma estrela-guia — a estrela da Anunciação, talvez, ou a cruz — que conduz mesmo na escuridão. Ali, a figura da Virgem Maria irrompe como intercessora e silêncio fecundo: “Lady, whose shrine stands on the promontory, / Pray for all those who are in ships…” A oração do poeta se alça sobre as ondas, um salmo feito de poesia e angústia, de esperança e despojamento.


Em Little Gidding, o último dos quartetos, tudo converge para a imagem da purificação pelo fogo. A visita a um lugar sagrado se torna, também, a visita a um tempo redimido: a memória dos mártires, o eco dos anjos, o fulgor do Pentecostes. O mundo, em ruínas pela guerra, é novamente habitado por chamas — não mais destruidoras, mas purificadoras. O fogo é aqui o do Espírito: o que consome a palha da vaidade e acende a chama do amor. “We only live, only suspire / Consumed by either fire or fire”, escreve Eliot — numa elocução que lembra Pascal: fogo da perdição ou fogo da graça; não há neutralidade no destino da alma.


O poeta, no ápice de sua maturidade espiritual, torna-se quase um pai do deserto — mas não num deserto sem redenção, e sim num lugar de aparições. As palavras de Four Quartets ressoam como ecos de uma lectio divina, como se Eliot houvesse lido o tempo com os olhos dos profetas e tivesse traduzido o invisível para os que só enxergam com os olhos da carne. O “ponto imóvel” de que ele fala não é um mero conceito filosófico, mas o próprio Cristo, centro do tempo e do cosmos, Logos encarnado que une o eterno ao temporal. É Neoplatonismo cristão filtrado pelo anglicanismo de um convertido que viu Londres arder e soube encontrar, nas cinzas, a presença do Incêndio eterno.


Ao fim da leitura, o que resta ao leitor é o assombro. Não o assombro vazio da beleza sem direção, mas o temor reverente diante de um poema que se torna altar. Eliot não busca o efeito: busca a Verdade. Não oferece respostas fáceis, mas um caminho. E como os antigos guias espirituais, ele aponta, com a mão ferida pela modernidade, para o Oriente eterno que renasce em cada aurora da alma. Four Quartets é mais que poesia: é um ofício de vigílias para um mundo que esqueceu o silêncio. E, em meio à dança do tempo, sua voz permanece, ecoando no centro imóvel, onde todas as perguntas cessam — e o Verbo fala.


Por Helida Faria Lima.

 
 
 

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