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Canto Congregacional Brasileiro, Uma Entrevista com Guilherme Kerr

  • 14 de jul. de 2024
  • 30 min de leitura

Nascido em 30 de agosto de 1953, em Araraquara, interior de São Paulo, Guilherme Kerr Neto é reconhecido como o mais importante e conceitual compositor na história da música cristã brasileira, um título que se justifica tanto por suas cantatas quanto pelos álbuns clássicos lançados pelos Vencedores por Cristo, Grupo Elo e outros. Para Ademais, sua trajetória é marcada por frutíferas colaborações com renomados artistas, como Nelson Bomilcar, Jorge Camargo, João Alexandre e Jorge Rehder.


Sua obra frequentemente dialoga com a tradição dos Salmos, uma forma de poesia litúrgica antiga. Como você percebe a continuidade e a ruptura entre essas formas tradicionais e a composição musical contemporânea?

Na verdade, a gente não sabe, não tem como dizer que a estrutura dos salmos seja uma estrutura litúrgica tradicional, porque não sabemos como são os salmos realmente... Sabemos que era um livro de oração, que eles oravam aqueles salmos. Sabemos que era um hinário, tipo, eles cantavam os salmos quando subiam para Jerusalém, para as festas e tudo mais. Então, sabemos que era, na verdade, uma poesia cantada. E o que temos feito nesse, como você chama, "diálogo com os salmos", é uma boa escolha de palavras, acho que é isso mesmo. É tentar traduzir aquela linguagem dos salmos para a nossa experiência hoje, para as pessoas que vivem hoje e com a musicalidade de hoje, porque, na verdade, não sabemos. Quer dizer, tem salmos que são de Davi e são de ano mil antes de Cristo, faz três mil anos que eles foram compostos, então é antigo. Mas eu não posso dizer que não tenho nenhuma informação, tenho bastante informação, desculpa, mas não tenho como saber como ele seria cantado, que levada era a música, provavelmente uma levada judaica. E a gente não canta com... Às vezes sim, mas na maioria das vezes não canta com uma música com uma inspiração judaica na música hebraica. Cantamos com as músicas de hoje, com a música brasileira, com a brasilidade, então acho que esse é o diálogo. O diálogo é traduzir e a beleza que vejo do ponto de vista da letra.


Os salmos justamente se tornaram um livro de traduções de um livro assim tão querido em todas as épocas, porque eles traduzem como nenhum outro livro da Bíblia, provavelmente, a realidade das emoções humanas. Eles falam do que está no coração. Então você não vê o Salmista dizendo assim... O Salmista não é politicamente correto, se eu puder dizer assim. Ele fala de fato o que está no coração, aquilo que é cru, aquilo que é realmente o sentimento. Então, se ele está com raiva, você não acha que ele vai falar assim: “Olha, eu estou com raiva, mas eu sou crente, então crente não tem raiva.” Ele não faz isso. Ele fala: “Eu estou com raiva hoje, Deus. Eu queria que o Senhor matasse todos os meus inimigos.” Nossa, que horror, né? Isso não é cristão. E de fato não é, quer dizer, não é o que Jesus ensinou, mas é a expressão do coração. E por isso que é tão real para a gente. Você lê uma coisa, por exemplo, eu tendo a ser uma pessoa mais introvertida e mais deprimida, às vezes. Então, quando leio no Salmo que o Salmista passou por situações de depressão, eu me identifico, eu falo: “Puxa, o Salmista passou por isso, então, caramba, então, Deus pode estar nessa situação, porque ele não só fala assim: ‘Olha, os laços do inferno me cercavam, a morte se apoderava de mim, o diabo’, quer dizer, eu estava cercado de todos os lados, caí em tristeza, grande tribulação, mas ele continuou falando, falou: ‘Então eu invoquei o nome do Senhor, o Senhor livra a minha alma.’” Tipo assim, o que eu faço na hora que estou angustiado? O que eu faço na hora que estou triste, que estou desesperado? Eu busco a resposta em Deus, né? Eu falo: “O Senhor livra a minha alma, porque eu não consigo me livrar desse lugar ou dessa situação.” E aí o Salmista sempre traz essa resposta, a resposta de que seja qual for o sentimento que eu estiver passando na realidade. Uma possibilidade tão enorme da possibilidade dos sentimentos humanos, eu posso buscar Deus e Deus vai me atender, Deus atende a quem o busca. No fundamento é isso, eu acho que o Salmo reflete. E tem pedaços de Salmos quando as pessoas estão em angústia, tem Bíblias que têm até na parte, por exemplo, a Bíblia dos Gideões, tem um monte de partes atrás que dizem assim: “Quando você tiver aflito, leia Salmo não sei o quê, quando você tiver desanimado, leia Salmo não sei o quê, quando você estiver super alegre, leia esse Salmo, Salmo de louvor, de adoração, de cântico.” Então, quem não ama o Salmo 23, né? Quem não chegou a algum momento na vida de falar: “Olha, que bom eu poder dizer que o Senhor é meu pastor, ele cuida de mim, mesmo no vale da sombra da morte.” Você passou por uma situação de doença em casa, que você passa por uma situação de doença. De que chega perto da morte, você vai lembrar do Salmo 23. Você se puxa, Deus está comigo. Eu me lembro de mais moço, quando eu tinha 18, 20, 22, a paixão, a preocupação que eu tinha por a gente encontrar.


E por isso que nós fizemos, por exemplo, uma série de gravações de salmos e de composições de salmos, para traduzir aquelas coisas tão eternas, tão preciosas da palavra, para uma linguagem que a minha geração conseguisse ouvir, com a música brasileira, com a brasilidade. Também porque muitas das músicas na época eram mais músicas, nessa transição que você até menciona na outra pergunta, né, que Vencedores foi tão parte daquilo. As músicas, as igrejas só cantavam hinos, a maioria deles traduzidos. E nos de outros países, então a linguagem musical também era estrangeira, no bom sentido. Claro que a música é universal, então tem muita coisa da musicalidade, especialmente se você está na musicalidade ocidental, que é muito parecida. E hoje em dia a música é quase que um domínio por conta da internet, e essas mudanças tão grandes que têm acontecido, ela permeia todas as culturas. Então o cara está lá no Japão e gosta de rock, ou canta rap. Só o nosso, como é possível, quer dizer, há uma migração dessas tendências de um lado para o outro. Mas, enfim, essa era a intenção, era cantar os salmos e traduzir isso para a minha geração. E isso sempre foi uma coisa muito forte. Então quando, de repente, a música deu uma certa virada, a música cristã contemporânea, que é assim que a gente chamava, e se tornou música gospel, e começou de novo a fazer um monte de traduções, só não, mas fazer muitas traduções, e de novo voltar para esse lugar, não vou dizer que eu me entristeci, mas pensei assim, puxa, eu lutei a vida inteira por uma coisa diferente disso, entendeu? Então, eu me preocupo, não porque não tenha música linda, tem música linda nos Estados Unidos, na Austrália, em todo lugar, na Europa, aqui eu tenho meus netos compondo, tem muita gente no Brasil, tem muita gente boa compondo coisa boa, mas fico na expectativa de que isso não impeça o nascimento, o crescimento e o avanço daqueles que têm os dons, que têm os talentos. Que já entenderam que eles não desanimem porque você vai lá e, de repente, está competindo com uma música que já é sucesso no mundo inteiro e não sei o quê, então você com a tua música, né? Tadinho, você fez lá na igreja, cantou para seu grupo de jovens e, né, que eu digo assim porque essa foi a nossa experiência, nós não tínhamos planos de que a música se tornasse famosa ou conhecida. Nunca pensei onde alguém vai falar assim: “Ah, você é o Guilherme Kerr.” Eu sou o Guilherme Kerr, mas não é nada disso que você deve estar pensando que sou. Sou uma pessoa comum, as nossas músicas... Eu, por exemplo, acho que a primeira música que eu compus assim, quando estava já convertido e andando mais perto de Jesus, que é “Como é bom poder mente e coração”, né? “Como é bom poder aos pés da cruz depositar” e tal. A música é uma música que nasceu nesse momento de você estar encontrando a Deus, você está buscando a Deus, né? Então, é isso.


De fato, a autenticidade brasileira em termos sonoros é influente em todo o mundo. Adoro a Astrud e ela é tão aclamada no Japão... E em minha entrevista com Vencedores por Cristo, ouvi um relato muito bonito da Lucitânia: que ela veio de um lar em que se tocava samba e bossa nova, e aí, quando ela chega na igreja e escuta "De Vento em Popa", ela diz "uau, caraca, tem música assim na igreja" e rapidamente se converte.

Li sua entrevista com Vencedores por Cristo e achei muito legal. Achei muito bom. E porque, na verdade, Helida, o que a gente fazia com os Vencedores... a gente ia para as escolas... cantar para a moçada que não era de igreja nenhuma... ou da igreja católica... ou espírita... ou de qualquer outra não muito religiosa que ia à igreja de vez em nunca. E a gente ia lá para cantar para esses meninos. Então... a gente levava as músicas... que eram músicas evangelísticas... como se eu fosse contar... como Deus é real, Cristo é real... que eram músicas que falavam de uma experiência... um encontro com Jesus que transforma a sua vida. E depois de cantar, a gente abria para eles virem conversar com a gente... e muitos vieram e vinham... e o que acontecia é que a gente compartilhava de Jesus... e um montão foi se convertendo. Eles queriam saber onde a gente ia estar de noite. À noite, vão estar na Presbiteriana, não sei das quantas... vão estar na Metodista tal... vão estar na igreja batista da cidade. Então... Ah, vamos lá então, nossa. E já levava seu grupinho, levava seus amigos, seus primos. Então foi uma coisa muito forte, muito grande, que aconteceu por conta disso, de você estar cantando, de você estar trazendo para esse contexto. Então o que a gente fazia? Às vezes a gente começava cantando uma música popular brasileira, porque eles não eram cristãos, eles não conheciam aquela música dos Vencedores. Eles sabiam que era um grupo de São Paulo, um grupo musical, que tinha baixo, tinha bateria, era um grupo... parecia um grupo de rock, mas era um grupo... um grupo mais calminho do que um grupo de rock.


E aí a gente cantava uma música do Toquinho ou Vinicius, ou cantava uma música popular brasileira, ou cantava uma música dos Beatles, que era sucesso na época, cantava Yesterday, cantava uma música qualquer, que eles identificavam na hora, porque essa daí eu ouço no rádio, os caras estão cantando música do rádio, e depois cantava em seguida a música. Que era dos Vencedores, que era, se você conhecer Jesus, ele vai transformar sua vida, a vida que em Cristo achei parece um sonho ser, quer dizer, tudo isso eram letras que falavam direto ao coração deles. E essa era a intenção, era chegar ao coração deles, mas para fazer isso, quer dizer, um dos caminhos da cultura mais fortes, né, é a linguagem, a linguagem determina na verdade de uma cultura. E a linguagem musical, ela faz parte não apenas dessa determinação do que a cultura é, o que ela acredita, quais são os valores que ela abraça, mas ela também, a linguagem musical traduz os afetos do coração. Posso dizer que você ouviu uma música, você pode até não gostar da letra, mas a música mexe com você, você fala nossa, a música me dá um negócio, me dá uma saudade, né, que é e parece uma coisa que eu perdi, mas que eu nunca perdi. Quer dizer, é uma coisa estranha que a música tenha esse acesso a outros lugares da nossa vida que estão além da razão, né? A letra vai para a razão, a letra vai falar com você e também vai falar com as emoções.


Mas a música é essencialmente uma coisa que mexe com a emoção, mexe com os seus sentimentos. Então, se a música é mais em tom menor, dá um sentimento de tristeza, se a música tem um ritmo mais acelerado e mais em tom maior, então agora a música ficou alegre. E é isso, e ela fica mesmo. Então, o desejo é você chegar nesses lugares onde tanto a mente como o coração das pessoas, e o intento era de que usando a música e usando a melhor qualidade que a gente podia fazer na época, chegar ao coração e à mente das pessoas, chegar no lugar onde ela estivesse considerando se empuxou. Achei legal, como já vi muitas vezes, muitos moços chegarem para mim depois de um evento dos Vencedores, e isso lá nessa época. Que eu também era moço e dizerem assim: “Olha, achei legal as coisas que vocês cantaram. Como é que esse negócio mesmo de Jesus? Ele é real mesmo? Ele muda a vida da gente? Como é que acontece?” E a pessoa te dá uma dica dessa, abrindo o coração para você começar a fazer um evangelismo, falar o que significa conhecer Jesus, como é que ele demonstra o amor dele com a gente, então era isso era o projeto básico da jornada dos Vencedores - como você diz que eu me identifiquei lá com eles, né, e é verdade porque eu fui discípulo deles, né? Eu fui, eu aprendi, eu digo sempre isso: que eu aprendi mais a respeito da vida cristã do discípulo lá do andar com Jesus, e até do pastoreio do meu ministério no trabalho prático dos Vencedores que era todo dia para um lugar, cantar e falar, mais do que o tempo de seminário (não tô falando nada contra o seminário, que também foi bom) mas é que era mais intenso, era muito mais real. A pessoa está ali, o cara está ali, ele está perguntando o que eu faço, como é que eu recebo a Cristo. Então, se eu não souber falar, eu vou me perder ali naquele momento. Então, a gente aprendia, era treinado, havia um treinamento. Olha, assim que você fala, você pode falar de Jesus a partir do Evangelho, pode falar a partir do livro de Romanos, você pode falar a partir de outros trechos da Escritura, você pode falar a partir do seu testemunho e depois inserir alguma coisa e depois trazer um desafio. Olha, você também pode conhecer Jesus. Então é assim que a gente fazia.


Em suas composições, há uma evidente preocupação com a integridade teológica e a profundidade poética. Como você equilibra esses dois aspectos, muitas vezes percebidos como distintos, e quais são os desafios em manter essa integridade em um contexto musical que, por vezes, privilegia o imediato?

Percebo pela internet, pelas plataformas, que há muita gente boa, muito mais do que na nossa época. Eu diria assim: a nossa música só ganhou, a nossa música, digo, dos Vencedores, daquele pioneirismo, porque era pioneira, havia poucas outras pessoas fazendo, e porque nós estávamos na estrada, na rua, diante das igrejas e do público de uma maneira muito mais intensa e constante. Então, se você tem a música, a gente ia cantar em uma igreja, vamos dizer, em certo ano, dali a dois anos, ou no ano seguinte, recebíamos convite para passar lá de novo. Quando passávamos, chegávamos lá, já havia um grupo parecido com os Vencedores, havia um pessoalzinho com violão, com baixo, que formaram um grupinho imitando os Vencedores, inicialmente, e até cantando suas próprias músicas e tudo. Nossa, que coisa linda! Quer dizer, a coisa está dando cria, está reproduzindo, está virando um movimento, está virando algo bonito.


Mas hoje eu acho que tem muita coisa do ponto de vista poético, uma pessoa como Gerson Borges, como Stênio Marcius, tem muita coisa linda. Esses não são tão jovens assim, mas tem gente jovem fazendo coisa muito bonita, que eu ouço, né? Pode ser que eu ouça só um determinado pedaço de música. Eu trabalho com esses meninos, então as pessoas com quem eu tenho feito música hoje são muito mais jovens do que eu e são excelentes, têm musicalidade, eu diria, muito superior à minha, né? Eu acho lindo e fico encantado, digo que bom, Deus sempre deu, né? Deus nunca deixou de dar dons às pessoas. O que me preocupa é que o mercado sufoque a possibilidade dos bons dons se desenvolverem. Porque, ah, você não tem espaço, não vai ter mercado e coisas assim. E eu acho que também não deveríamos nos preocupar porque não fomos chamados para ganhar o mercado, fomos chamados para ganhar o mundo inteiro, que é muito mais do que o mercado, né? Fomos chamados para levar a mensagem do Evangelho. Então, ao mesmo tempo, acho que temos que nos preocupar com: como posso chegar nesses lugares onde a minha música vai ser ouvida? Se a maneira mudou hoje, não tem mais CD, long play, aqueles discos antigos e grandes, nem instrumentos para tocar aquilo, como vai ser nas plataformas? Como vai ser quando tudo estiver digitalizado? Como vai ser quando a inteligência artificial estiver fazendo a minha música por mim? Temos um monte de perguntas hoje que não existiam na minha época, né? Mas vejo, sim, que tem muita coisa boa ao mesmo tempo, respondendo à tua pergunta. Acho que a preocupação com a profundidade teológica é, da minha parte, tá? Não sei das outras pessoas. Tem a ver com a preocupação e o amor que foi cultivado em mim, que recebi da minha tradição, do ponto de vista evangélico, de como vejo a Escritura, como vejo o poder de Deus na sua palavra, como vejo a pessoa de Jesus, porque tudo isso determina a sua teologia. Você pode ter profundidade teológica e ser um teólogo New Age, e nem crer em Jesus, com uma cabeça completamente diferente.


Então, eu diria que a profundidade teológica tem a ver com esse respeito pela Escritura. Nós não estamos acima da Escritura, avaliando a Escritura. Nós estamos abaixo dela. Ela nos julga, não nós que a julgamos. Se mantivermos isso ao fazer a nossa música, está ótimo. Por exemplo, falei dos Salmos, tem coisas nos Salmos que, se você cantar exatamente como está escrito, não vão refletir a doutrina da graça, nem da bondade de Jesus, vão refletir a natureza humana, a emoção humana, que é tão clara no livro de Salmos, mas não vão refletir o Espírito de Jesus. Então, você tem que ser cuidadoso, tem que, de certo modo, fazer uma adaptação. Eu diria que a profundidade poética é mais assim, eu não posso dizer que fiz isso de propósito, porque sinto que é um presente de Deus, que ganhei de Deus, isso já veio comigo, é como se eu tivesse nascido assim, entendeu? A paixão pelas palavras, pela palavra escrita, pela palavra falada, pela poesia. A primeira vez que li Castro Alves, "O Navio Negreiro"... eu chorava... eu dizia... não é possível que alguém possa escrever poesia desse jeito... porque ele tinha tanta força na poesia... e, no entanto... ele não descuidava da forma... quer dizer... você veria que era uma coisa poética... mas a mensagem era tão forte... tão clara... eu pensava... como você consegue manter a forma... e comunicar o que quer... porque falando de ser simplista... ou de empobrecer... às vezes queremos falar o que queremos... eu falo... vou falar do jeito que for... como falaria com qualquer pessoa... tudo bem... mas se você... com isso, às vezes, empobrece a linguagem... se falar de uma maneira poética... a possibilidade é que ela se torne mais forte... que em vez de perder a força... ganhe força. Claro que você pode ser muito purista e sofisticado... e aí sua poesia fica inacessível... a pessoa nem entende o que você está falando. Mas se buscar algo como "O Navio Negreiro", por exemplo... se tiver esses bons exemplos... e eu tive isso... na escola... professores... que me encorajavam a ler os bons autores brasileiros... e que me encorajavam... eu fazia minhas composições... na época tinha composição... em português tinha que fazer composição... você entregava... a professora lia... avaliava... te dava uma nota... e me lembro que algumas professoras de português... no tempo do ginásio... liam minhas folhinhas na aula... e falavam... olha... isso aqui é uma coisa bem escrita... e aquilo me levou para um lugar... porque nunca me achei... muito grande coisa em nada... de repente... ela achava que eu era uma pessoa que escrevia bem... um poeta... e não sei o quê... e aquilo foi se tornando... de certo modo... minha identidade pessoal... tipo... é verdade... eu gosto disso... faço isso com alegria. Eu não me esforço muito... para fazer isso. Venho... venham comigo... eu ganhei. A Bíblia diz assim... Toda boa dádiva... todo dom perfeito... é lá do alto. Desce do Pai das Luzes. Então sei que foi Ele que me deu. Ele me deu... com um propósito. E isso que acho legal... isso que quero encorajar esses meninos que você também está tentando encorajar. Desanima não. Pega firme... vai em frente... faz a sua poesia... vai comunicando... vai... burilando... porque crescemos fazendo a coisa... como qualquer outra arte... como qualquer outra profissão... como qualquer outro... empenho artístico... não precisa ser só música... nem letra... qualquer tipo... desenho... o que quiser. Você cresce ao fazer. Normalmente a primeira coisa que faz já não é uma obra de arte... todo mundo fala que você é um gênio... não é comum isso acontecer... Como a gente se torna. Então... Como a gente se torna. A gente se torna, exatamente. A gente se torna e não estou falando... você tem que se esforçar, se matar. Não, não tem que se matar... mas se não puser tempo e esforço... não cresce... tudo bem... você fica de um jeito... pode ser bom... e já esteja satisfeito... mas se tiver... uma paixão pela excelência... vai falar... não... eu quero que isso aqui fique um pouco melhor... pode ficar melhor. Na minha época, teria que fazer um esforço... era quase uma coisa escolar, uma obrigação, uma tarefa da escola. Você ia para casa e lia José de Alencar, ou buscava informações, se informava... porque ia ser questionado, ia ter uma prova, teria que responder algumas coisas. Havia um... o que chamo de didática. E hoje em dia não há essa preocupação, porque a vida... Acho que o lado bom, tem muitos lados bons da internet, mas o lado não bom é que... é que você... tudo você procura no Google e acabou, você não vai ler. Eu vejo... e não estou falando isso como crítica, porque sei que é uma realidade, não sei como mudá-la. Mas a pessoa não consegue prestar atenção mais do que um minuto em nada. Qualquer coisa, ou fazer um videozinho, passar de um minuto, a pessoa vê um pedacinho e não vê mais. Se postar um vídeo na sua mídia social e não fizer um reels, que é bem mais curtinho; se fizer o reels, todo mundo vê o reels, mas não vê o vídeo inteiro. É muito doido, mas é assim que funciona. As pessoas não têm, não sei se não têm tempo, não têm cabeça, não têm mais disposição para prestar atenção. Ou então, não encontramos ainda, qual é a coisa que vai prender a atenção, de modo que fique ligado naquilo que... Porque acho que essa é a grande pergunta para nós. Ficar bravo porque as coisas estão mudando não resolve nada. O que preciso resolver é como posso, dentro dessas mudanças, trazer a mensagem eterna do Evangelho e de Jesus para impactar as pessoas. Para chegar ao ponto onde elas digam, prestem atenção, falem, nossa, vou ouvir isso aí. Isso para mim é a grande pergunta da sua geração, da minha também, até partir daqui, essa é a minha busca. Mas enquanto isso não acontece, quer dizer, como vamos responder a esses desafios que são tão grandes? Que música será uma música que você fala pouco e diz muito? Cadê os poetas que vão falar pouco e dizer muito? Que tipo de poesia será essa? Qual maneira de cantar ou falar chegará ao coração e a pessoa dirá, olha, isso aqui mexeu comigo? Porque isso conta, né?


E eu acho, ainda acho que, como já comentamos, isso tem a ver com a cultura. E a expressão mais, vamos dizer assim, forte e de identificação de uma cultura, é a linguagem. A linguagem traduz os valores que você de fato acredita. Na maneira que a pessoa fala, você já sabe de onde ela é, como ela crê mais ou menos o que pensa, o que pensa de Deus, só do jeito dela falar, e muito mais da língua, da forma da língua, por isso que quando você vai ser missionário em outro lugar, aprende a língua daquele lugar, a primeira coisa. Como posso conhecer esse povo se não consigo nem falar a língua deles? Não existe isso, né? Jesus veio até nós como homem, poderia vir como Deus, não? Mas ele não veio como Deus, veio como ser humano, vestiu nossa cultura, vamos dizer assim, não é? Então, enfim.


Como une a fidelidade ao texto bíblico original com a expressão artística, garantindo que suas músicas ressoem tanto espiritualmente quanto musicalmente com seu público?

O que eu posso dizer com certeza é isso: eu já fiz tantas canções, né? Tem algumas que eu acho assim, nossa, eu ouço e fico emocionado, entendeu? Eu falo, nossa, nem parece que fui eu que fiz isso. Isso aqui está tão bonito que deve ter vindo do céu e, de fato, eu creio que vem do céu, né? Então, por isso que, em última análise, a gente não pode ficar muito arrogante, nem muito pretensioso, porque ser um dom é um presente, né? Não fui eu que inventei, não fui eu que fiz, né? Eu reconheço quem é o doador, eu reconheço, aliás, de onde vem. Enfim, acho que toda música é assim, viu? Às vezes, você vê pessoas, mesmo na música popular, você fala assim: "Não, todo o dom vem de Deus." Enfim, não vou entrar nisso aqui na sua pergunta, mas a maneira como vejo isso acontecer é que eu tive...


Não vou dizer que é sorte, porque acho que é muito mais a soberania e o cuidado de Deus com a minha vida, de Deus me colocar ao lado de pessoas que tinham uma habilidade. O que eu sinto com relação à poesia, eu sei, por exemplo, o que o João Alexandre sente com relação à música. Então, quando eu fazia música com ele, a música pra ele é uma coisa natural. Nasceu com ele. Claro que ele estudou, claro que ele é um baita professor hoje, um maestro e tudo mais. Mas ele, o Nelson Bomilcar, o Jorge Rehder... O Jorge Rehder é uma pessoa que, toda semana que eu o encontrava, ele tinha uma melodia nova para mostrar. Quer dizer, eu falava assim: "Você é doido, cara, como é que você pode..." De vez em quando, Deus me dá uma música, eu sento lá e faço uma canção, digo melodia, música mesmo. Poesia eu faço constantemente, mas música de vez em quando, mas eles não, eles faziam assim, parecia que era uma coisa quase que espontânea, quase que, olha, você já nasceu assim. Então, isso é que acho que me abençoou, foi essa parceria com pessoas com muita competência melódica, melodias bonitas, harmonias bonitas. A harmonia tem a ver também com a competência da pessoa no instrumento, por isso que eu te falei que não sou um violonista, eu toco violão. Se eu fosse um violonista, as músicas que eu mesmo faço talvez fossem muito mais bonitas, porque a harmonia você faz ao tocar o seu instrumento e ir numa direção que não seria normal, é mais, como você diz, mais rica. Agradável, né?


Então, o que estou dizendo é que me vejo como uma pessoa, eu fui abençoado por Deus, porque tem coisas que aconteceram que têm um pouquinho a ver comigo e um monte a ver com um montão de outras pessoas que Deus pôs no meu caminho, como parceiros, como amigos, como pessoas que repartiram a vida, o coração, os sonhos, a fé, né? Porque tudo estava junto, não era só assim: "Ah, eu encontrei um cara super competente, fui fazer uma música com o Toquinho." Não, fui fazer uma música com um cara que conhece Jesus e quer andar com Ele, quer ser discípulo, quer falar o que eu estou falando também. E, quando eu trago a letra, ele fala assim: "Essa letra é o que eu pensei para essa música aí." Então, gente, isso é sensacional, isso é assim, é por isso que a gente é chamado para ser um corpo, né? Os dons são repartidos para o corpo todo, você é um pedaço do corpo, você não pode dizer: "Ah, eu sou tudo." Você é o olho, agora eu sou o bambambã, não preciso do pé, não preciso da mão, não preciso de mais ninguém. Como assim? O que você faz como olho? Vai ficar só olhando e você fala: "Agora eu preciso tomar água, mas não posso chegar lá na água, só olho só, eu só posso ver a água." Quer dizer, não existe isso, a gente, né? Então, esses ensinos da palavra e essa... Na verdade, pra mim, é uma realidade. Isso daí foi o que trouxe um outro motivador e um outro propulsor para minha criatividade, para minha música. Pessoas queridas, pessoas competentes, pessoas muito, muito melódicas, com melodias e harmonias bonitas. Então, porque a maior parte das minhas músicas, vou dizer, sei lá, 75%, 80%, eu fiz com outras pessoas, né? E uma parte pequena é que Deus me deu assim, de graça, num momento assim de eu estar aqui em casa e cair no meu colo. E aí eu agradeço muito, porque falo: "Puxa, não sei onde estava essa melodia, mas ela estava por aí, por aqui, né?" Agora, também acho que isso tem a ver com que música você ouve. A que você se expõe, porque tudo isso vem, gente, a gente não inventa do nada, né? A gente está num contexto. Então, vem das fontes nas quais a gente bebe.


No processo de composição para a adoração comunitária, qual é a sua abordagem para conceber cantos congregacionais que não apenas fomentem a unidade e a inspiração dentro da comunidade, mas também proporcionem uma experiência litúrgica profunda e teologicamente rica? Melhor dizendo, quais princípios e elementos estéticos você considera indispensáveis para alcançar essa síntese?

Não sei, essa é uma pergunta difícil, porque eu vejo muito... Como pastor, só para te dar um exemplo... Às vezes, eu prego um sermão que preparei com carinho, que gastei um certo tempo... que estou fazendo... enquanto estou fazendo, estou super emocionado... estou falando... que lindo isso aqui... eu nunca tinha visto isso... Daí, vou lá e prego com todo o meu coração. E às vezes, percebo, enquanto estou pregando, que aquilo que eu sentia enquanto preparava... a pessoa que está lá está sentindo também... está emocionada, está chorando, está meio quieta num canto... parece que está ouvindo aquela palavra com maior atenção. E às vezes, sinto assim... como o mesmo sermão, não estou falando de sermões diferentes... não está chegando a lugar nenhum, o que estou falando está passando por cima da cabeça das pessoas. E eu não tenho a menor explicação para isso.


Às vezes, saio frustrado de uma pregação e, assim que acaba, vem alguém me procurar e fala: "Pastor, olha, aquela ilustração que você deu, que contou da sua mãe, não sei o quê", fala uma coisa que, para mim, era irrelevante no sermão, eu nem tinha pensado naquilo, veio na hora espontaneamente, e a pessoa fala que mexeu tanto com ela, que está indo para casa agora cheia de bons pensamentos e pensando que precisa mudar sua vida, e eu falo: "Meu Deus, que coisa... existe um lado da pregação e do ensino e da musicalidade e do louvor que vai tão além da gente". Eu me lembro de ter pregado assim uma vez na igreja do Morumbi, onde eu era pastor, e preguei esse sermão que tinha sido tão gostoso de preparar. E tinha uma pessoa que alguém tinha levado como visitante. Ele não era cristão, ele era, na verdade, diretor da empresa onde a pessoa trabalhava, foi convidado para vir à igreja e veio. E eu, depois, fui perguntar para aquela amiga que tinha levado o patrão na igreja, e aí... queria saber se ele tinha gostado, se ele tinha entendido, porque achei que tinha pregado tão bem, na minha grande humildade, achei que tinha sido ótimo, que hoje comuniquei com clareza o Evangelho, se ele não entendia, hoje ele entendeu... e para você ver como Deus tem um senso de humor, ela falou: "Sabe, ele não entendeu quase nada, ele me disse que não entendeu quase nada do sermão". Eu falei: "Meu Deus do céu, estou frito". Ela falou: "Mas, quando o pessoal levantou e começou a cantar aquela música (eu nem lembro qual era a música), ele sentiu que Deus estava lá dentro". Eu ouvi aquilo e falei: "Deus do céu... a gente é... pai do orgulho pretensioso, né?". E ele falou que queria voltar porque nunca sentiu a presença de Deus daquele jeito. E eu falei: "Que coisa... que coisa louca... isso é impressionante". Então, quando você fala de experiência litúrgica, eu penso nisso... tem vezes que estou no louvor, dirigindo o louvor ou participando com outras pessoas, e que estou fazendo, cumprindo a minha tarefa, fazendo o que fui chamado a fazer, e está tudo bem, gostando, achando bonito, achando que está bom, achando que está, como você falou, esteticamente bonito, atraente, mas tem outras vezes que estou cantando e eu sinto, não só no meu coração, mas sinto que, no meio da congregação, no meio das pessoas que estão ouvindo e participando, que o culto é nosso, é coletivo, tem alguma outra coisa acontecendo. Tem essa presença, entende?


Tem essa realidade que é muito mais forte. Então, eu tenho até cuidado com a palavra liturgia e litúrgico porque às vezes nos leva para o que não significa, né? Que você está mais preocupado com o ritualístico, com o ritual, com a forma do que com o conteúdo, e eu sou tão do conteúdo que só penso assim: a liturgia só faz sentido, algum sentido, se ela enaltecer, se ela levantar, se ela trouxer essa experiência que é muito mais do que litúrgica, ela chega a ser mística, é uma experiência assim. Eu não vou à igreja, entendeu? Eu não me reúno como a igreja, porque a igreja somos nós. Eu não me reúno como igreja para cumprir, seja lá qual for o programa, eu me reúno para encontrar uma pessoa. Então, como Jesus é o centro do culto, para mim, a liturgia verdadeira é encontrar Jesus. Então, às vezes, uma música simples me ajuda a encontrar Jesus, e às vezes, uma coisa sofisticada demais me faz distrair para outra direção, como também um sermão pode fazer. Enfim, não sei se te respondi, também se respondi a contento, mas pensei bastante nessa pergunta porque achei que foi uma ótima pergunta, bem formulada, e merece a nossa atenção.


Em 1973, sua vida se funde a existência do grupo Vencedores Por Cristo de forma quase indissociável, se tornando impossível falar dum, sem retratar o outro. Para ademais, vocês revolucionam o cenário musical evangélico brasileiro e quebram diversos paradigmas religiosos ao longo das décadas. Como fora fazer parte de algo tão singular ao lado de nomes como Artur Mendes, Aristeu Pires e o santo que hoje descansa no Senhor, Sérgio Pimenta? Pois para além da música que faziam, me parece que vocês pastoreavam o coração um doutro. E isto é, claro, singularmente lindo e transmite autoridade.

Eu acho que a grande força do trabalho de Vencedores é que, por incrível que pareça, às vezes as pessoas pensam: "Vencedores é um grupo musical." Pelo menos na formação inicial, não era esse o projeto principal. Sim, é um grupo musical. Ah, eles são evangelistas, querem evangelizar através da música, sair para a rua, sair para as escolas, fazer evangelismo. Verdade, mas não é o projeto principal. Ah, o projeto principal é música, é fazer música e mostrar pela música um pouco da palavra de Deus. Isso é verdade, mas não é o projeto principal. O projeto, a definição de Vencedores, era discipulado de uma geração, discipular jovens para que eles possam depois voltar para as suas igrejas e levar esse discipulado para lá. Então, esse discipulado é fruto da cabeça, do coração e da teologia, da percepção teológica de pessoas como Jaime Kemp, que foi o fundador dos Vencedores e que passou esses valores para nós. Eu fui da primeira geração de líderes depois do Jaime. Eu fiz parte dessa primeira geração de líderes depois do Jaime, que continuaram o trabalho da missão. Mas o diferencial de Vencedores é que o projeto era você viver em equipe, viver como discípulo de Jesus e aprender o que significa ser discípulo junto um com o outro. Então, você tinha estudos bíblicos. Toda semana tem estudo bíblico, no treinamento todo dia tem estudo bíblico e tem estudo bíblico sobre como se relacionar, a necessidade de perdão, de perdoar, quantas vezes você perdoa seu irmão, consciência limpa. Você está andando sem ficar pensando assim, entendeu? Porque você tem, em qualquer conjunto, pensamentos diferentes, como você falou: um gosta de uma coisa, outro gosta de outra, tem competição, a gente é humano, tem ciúme, tem inveja. "Ah, eu queria estar cantando essa música e não o fulaninho." "Ah, eu queria tocar o baixo, eles não me dão o baixo, me dão essa guitarra aqui." Entendeu? Quer dizer, tudo isso faz parte da natureza humana e a gente tinha que lidar com isso, mas lidava com isso. Então, nesse sentido, eu acho, eu não sei como é que são as bandas hoje em dia e o que elas fazem nesse sentido.


A impressão que eu tenho é que pouca gente tem qualquer cuidado nessa direção de estudar com regularidade a palavra de Deus, de orar juntos, de orar um pelo outro. "Você está doente, seu pai está doente, vamos orar pelo seu pai." Quer dizer, isso traz uma unidade, uma coisa assim. As pessoas com as quais eu viajei em 73 e 75, que fizemos essas viagens longas para visitar as escolas, meio ano em 73 e depois o ano inteiro em 75, tranquei matrícula, todos nós trancamos matrícula um ano para dedicar a esse trabalho missionário. Essas pessoas até hoje são meus amigos, são pessoas assim que eu encontro, reencontro. Eu moro fora, eu não encontro quase nunca, eu encontro 20 anos depois, parece que a gente nunca se separou, porque a gente tem tanta coisa que a gente caminhou junto, aprendeu junto, sofreu junto. Então, isso aí eu acho que é a essência do trabalho. Quando eu perco isso, eu me torno só um grupo musical, eu acho que perco um pouquinho do projeto em si. Não é que eu não vou fazer coisas boas e se eu for fazer um grupo musical, eu estou preocupado com a música mais do que qualquer outra coisa. A minha prioridade vai ser a música. E a prioridade de Vencedores não era, e eu espero que hoje também não seja, a música apenas. Era o discipulado. E como você falou, o discipulado de receber, de aprender, de receber daqueles que são mestres e que podem ensinar a gente, e também de ministrar um ao outro. O que a Bíblia chama de mutualidade. Que nós somos, com salmos, hinos e cânticos espirituais, nós ministramos uns aos outros. Nós ensinamos e aconselhamos uns aos outros, mutuamente. Então, isso é a coisa mais maravilhosa que existe. E isso tem um poder que vai muito além da gente ficar na social media, da gente pôr na internet, da gente no Facebook e parecer que está tudo bonitinho. A pessoa sente, ela vê você conversando, ela vê você andando junto, comendo junto. Poxa, a gente andava junto o dia inteiro, o tempo inteiro. Não era fácil, porque tem momentos que você não gosta de alguém e fala: "Esse cara está me enchendo." Mas, entendeu? Aí você vai lá e pensa: "Por que está me enchendo? O que está pegando? Se tem alguma coisa que ficou pendurada, vai lá perdoar, vai lá ser perdoado, vai lá pedir perdão." Então, a gente praticava essas coisas, não era só conversa. Então, isso criou, eu acho, uma coisa muito boa e muito forte e, quando você está na frente cantando, essas coisas não são visíveis, elas são coisas invisíveis. O amor é invisível, mas assim que a pessoa vê, embora não seja visível, é sensível. A pessoa sente, como você falou, isso dá um nível de autoridade que você não teria de outra forma. Porque todo mundo vê políticos, desculpa usar assim, mas falam coisas que não têm nada a ver, é só um discurso, é só uma coisa da boca pra fora, não tem nenhuma realidade por trás, é uma mentira, estão vendendo uma coisa. E a gente mesmo, vira e mexe, está vendendo informação e outras coisas para nosso proveito. E não uma coisa que é autêntica, verdadeira, profunda, isso realmente é o que está. Então, eu vejo isso bastante, isso me ajudou demais, porque eu era novo convertido no comecinho de Vencedores, entendeu? Então, eu precisava daquilo, eu precisava de um discurso bem forte, eu precisava de pessoas que pudessem me confrontar às vezes, me exortar, me ajudar a ver coisas que eu não via, me ajudar a falar de uma maneira que eu não sabia falar. Então, tudo isso é a bondade de Deus.


Mas para mim, você perguntou como foi fazer isso. Foi ótimo, foi delicioso, porque são pessoas... Aristeu, por exemplo, eu acho ele um poeta do primeiro nível. Assim, muito, muito competente. Um Castro Alves? Não sei se é um Castro Alves, mas é quase, viu? Puxa vida, ele é muito, muito competente. Mas o Pimenta tinha essa coisa... Pimenta era dedicado, era diferente. Ele era militar, então ele tinha uma disciplina militar. Isso foi muito bom para mim. E ele me ajudava, por exemplo, a gente ia nas equipes juntos algumas vezes, e ele tirava todo mundo da cama às seis horas. "Não, vamos bater aí cinco quilômetros hoje, todo mundo. Vamos lá, vamos na rua, vamos correr, tal, tal, tal." Isso era muito bom. Mas fora isso, ele era assim, também, como Jorge Rehder, quase. Ele sempre tinha melodias novas. A única pessoa que eu conheci na vida estudava o dicionário. Ele lia o dicionário como a gente lê um livro. Ele ia lendo palavra por palavra. Eu falava: "Pimenta, você é doido, cara. Isso aí vai te deixar louco." Mas não, porque ele tinha essa paixão por saber palavras diferentes, palavras novas. Às vezes até eu gozava dele. Ele falava: "Você vai fazer coisa tão sofisticada que ninguém vai conseguir nem entender o que você está falando. Porque ninguém tem esse nível aí que você está buscando, que você está conseguindo." E a gente ficou muito amigo. Eu lembro que, quando meu primeiro filho nasceu, foi um parto difícil. A gente pensou que ia perdê-lo. E assim que ele depois ficou bom e ficou... A primeira vez que ele foi à igreja, o Pimenta viu ele lá na igreja. Ele veio dar um abraço na gente e dizer que estava orando, tinha orado pelo Gui e tudo. E ele fez uma música para o Gui, para o meu filho. Então, ele tinha esse tipo de carinho. Também, eu que fui o cupido no relacionamento dele com a Sônia. Ele se casou depois, ele teve seus filhos. Não fui o único não, tinha muitos cupidos, mas eu era um deles, né, que estava lá incentivando, encorajando o relacionamento deles. E ele me deu o privilégio de celebrar o casamento dele, que eu fiz na Igreja da Liberdade, em São Paulo, Batista da Liberdade. Foi lá que ele se casou. Casamento bonito, casamento militar. Aqueles amigos vieram da Academia Militar de Agulhas Negras, os colegas dele formados como ele, tenentes, e fizeram com as espadas assim para eles passarem por baixo, na saída, ele e a esposinha.


E depois, poucos anos depois, porque eu acho que ele casou com vinte e oito, com trinta e dois, ele faleceu, acho que é isso. Mas... Poucos anos depois, eu estava na mesma igreja, fazendo o enterro dele. Saindo daquele mesmo lugar. Então são muitas coisas assim, para mim, com relação ao Pimenta, muito... Muita emoção, muita coisa assim... Muito forte. O Pimenta morreu no dia 12 de agosto, e meu filho também nasceu no dia 12 de agosto. Então olha que coisa louca... Eu estava morando no Rio e acabando de fazer a festinha do Gui, eu sabia que já tinha visitado o Pimenta no Hospital do Câncer em São Paulo, porque, embora o Pimenta morasse no Rio, ele foi se tratar em São Paulo, pois o hospital era mais especializado. Acabou a festinha do Gui e, quando o pessoal foi embora, eu estava só tirando os pratos e dando uma arrumada na casa. Estávamos lá, arrumando a casa, quando toca o telefone com o Nelson Bomilcar, que me avisava que ele tinha partido. E foi tão doido aquilo, porque eu estava contente pela vida do Gui, pelo aniversário do meu primogênito, pois ele até tinha ganhado uma música do tio Pimenta, e de repente o tio Pimenta partiu. Ele tinha estado na minha casa em abril, e faleceu em agosto. Brincando com os meninos na piscina, ele os jogava para cima, porque era muito forte. Então, pegava pelos pezinhos e os lançava para fazer piruetas e caírem na própria piscina. Ele brincou com eles lá e saiu da piscina, dizendo: "Cara, estou com uma dor nas costas, estou ficando velho, preciso fazer mais exercício, estou perdendo a forma, não sei o que é." Isso já era o início da doença, mas ele não sabia. Passou mais um mês ou dois até descobrir que estava com algum problema mais sério. Enfim, é isso.


Apreciei sobremaneira a forma em que é mencionado o zelo que vocês (Vencedores por Cristo) tinham em estudar regularmente a Palavra de Deus. E o senhor, como um notório amante dos Salmos, recorda-se do Salmo 19, onde está escrito que "a lei do Senhor é perfeita e restaura a alma". Creio que, ao nos dedicarmos ao estudo constante da Palavra do Senhor, nossa alma encontra um estado de bem-aventurança, não é verdade? E a condição da alma é de suma importância para o êxito na realização desses projetos.

Exatamente. Amém. Concordo 100%. Sim. São mais desejáveis do que o ouro depurado. Mais doces do que o mel e o destilado dos favos. É isso mesmo. Sim. O testemunho do Senhor é perfeito. Ilumina os olhos. Isso que eu lembrava de... Sempre tive essa coisa com os olhos. A pessoa, quando tem olhos que, eu diria, são límpidos, não precisa ser olhos claros, mas olhos límpidos, aquilo te dá um sentimento bom. De que você está em um lugar seguro, de que você pode talvez contar uma coisa que não contaria para outra pessoa e tudo. E você está certa, Helida... é isso mesmo... e... isso tinha muita... era muito importante na formação da gente. Acho que era mais importante do que tudo... pelo menos na cabeça do Jaime. E graças a Deus por isso... porque... vou te contar... se não fosse isso... o nosso potencial para a autodestruição era grande também.



Guilherme Kerr em seu álbum "O Melhor de Guilherme Kerr" em 2000 - ano em que é lançado também o disco "Doce Nome"


Musicalíssimo, Guilherme Kerr é maestro das palavras. Seus escritos são como melodias que ecoam pela eternidade, enchendo corações com poemas sublimes e letras que se imortalizam no cancioneiro cristão brasileiro. Tudo o que compõe, é para além de lírico. A poesia lhe parece inerente.


Entrevistado: Guilherme Kerr. | Entrevistadora: Helida Faria Lima. | Data: 12/07/2024.

 
 
 

2 comentários


Membro desconhecido
15 de jul. de 2024

O que falar de Guilherme Kerr e sua profundidade poética, musical e teológica? Resta-nos deleitar em suas palavras.


Para além disso, ótima entrevista! Soube instigar da maneira correta o entrevistado

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Membro desconhecido
15 de jul. de 2024

Entrevista maravilhosa. Guilherme Kerr é fabuloso. Helida é inteligentíssima. Como dar errado?

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